Por Ricardo Francisco, apresentado originalmente no IV Congresso internacional de História da UEM (2009) (1) (2)


Quais são as relações entre o ensino de História e os alunos? E as relações entre esse mesmo ensino e a sociedade? As concepções e respostas dessas perguntas, teoricamente, seguem rumo à construção de uma consciência social e política que se faz necessária aos tempos atuais. Porém, quanto disso é realmente assimilado dentro de uma sala de aula? 
As sociedades atuais vivem uma inflação de informações. Os indivíduos vivem um constante bombardeio informacional, contudo, poucas informações são assimiladas e transformadas em conhecimento (NORA, 1977 p 45-47). Nesse ponto, a História acaba tendo um papel de vilania, mostrando as vísceras de uma sociedade que, em discurso, diz estar no “auge dos tempos”, mas que demonstra uma fragilidade e uma demência ante a sua coletividade, pois acaba servindo de amparo a um questionamento desse discurso e dessa idéia de uma “sociedade no auge dos tempos”. 
Sob essa ótica, quais são as conseqüências a serem desenvolvidas em sala de aula? A imagem externa da sociedade ou a interna? Essas são questões que fundamentam o debate da “História do tempo presente”.

“(...) a história do tempo presente (...) é a História que vivemos: faz parte das nossas lembranças e de nossas experiências. Ora, vale lembrar que essa história exige igual rigor ou maior do que o estudo de outros períodos: devemos enfatizar a disciplina e a higiene intelectual, as exigências de probidade.” (REMOND, 2006 p. 206) 


Dentro desse pressuposto, podem-se apontar as necessidades que essa metodologia tende a desenvolver em sala de aula: 

• História e verdade: a verdade é o objetivo do historiador e da sociedade. O historiador, da mesma forma e maneira que a sociedade, nunca o alcançaram ou alcançarão, tendo, porém, uma relação de alcance e proximidade muito grande. Essa relação de alcance e proximidade tem o custo de gerar várias verdades.(3)
“Daí a necessidade de distinguir os níveis de verdade históricos, que comportam maior e menor grau de aproximação e diferentes estágios de certezas, mas nos quais a mesma aspiração elevada deve sempre repercutir na consciência do historiador.” (BEDARIDA, 2006 p. 224) 

• História e totalidade: com essa jornada busca a verdade, e a geração de verdades, há certa apreensão e visualização quanto a perda do foco da produção do conhecimento histórico. A totalidade, assim como a globalização, aparece como algo novo. Essa idéia de totalidade leva a concepção de tentar explicar o todo, de forma mais útil ao contemporâneo. O risco da totalidade, assim como o da globalização, é o fato de um esquema explicativo totalizante acabar engolindo esquemas menores, mais específicos e esclarecedores de uma única realidade, em prol do todo. Da mesma forma que uma cultura de massa do mundo globalizado acaba engolindo as culturas regionais.(4)
• História e ética: os sistemas sociais de nosso tempo mostram-se, sobre todos os aspectos, um objetivismo doentio. Longe de criticar ou elogiar qualquer sistema político econômico, a crítica aqui se baseia no objetivismo em si. A pressão existente ante ao resultado acaba deturpando a ética do indivíduo. O papel da História dentro da sala de aula seria o da conscientização dessa “deteriorização da ética”. Porém, como uma ciência que almeja a neutralidade pode fazer isso? Logo, faz-se necessário o afastamento dessa neutralidade em prol do indivíduo. Nas palavras de Rabelais, “ciência sem consciência é a ruína da alma.” (5)
Inicialmente, essa concepção histórica admite um conjunto de embates, aos quais se segue: 

• Conflito de Gerações: é de senso comum que a vivência influência na construção da consciência individual. Por isso, pessoas que vivenciaram épocas diferentes tendem a pensar os fatos de forma diferente. Esse “choque” de mentalidades corre rumo a questionamentos e comparações que são fundamentais, não só a compreensão da História, mas também no pensamento, vivência e do eu interno de cada um. (6)

“(...) a vivência pessoal deste tempo molda inevitavelmente a forma como o vemos, e até mesmo o modo como determinamos a evidência à qual todos nós devemos apelar e nos submeter, independente de nossos pontos de vista (...) a diferença de gerações é suficiente para dividir os homens.” (HOBSBAWN, 1995 p. 105)
“(...) a diferença de viver dois ou três anos traumáticos pode fazer na forma como um historiador vê o passado.” (HOBSBAWN, 1995 p.110)

• Tempo e memória: longe da indagação filosófica da existência do tempo, o que se busca aqui é delimitar e questionar começos e finais, causa e conseqüências, questionar o senso coletivo acerca desses fatores, mas também trazer à tona que, qualquer delimitação traz junto de si a necessidade de delimitar um espaço. A memória tem um papel de fonte viva, mas tem problemas relativos à integralidade de sua veracidade, já que fatos isolados normalmente passam imperceptíveis e que 
é inútil mudar a mentalidade das testemunhas do fato, no tocante ao ocorrido testemunhado. (7)

“Começo, definição de tempo e espaço, pesquisa de uma pré-história e pesquisa de uma memória: todas essas expressões fazem parte de uma mesma constelação que preside ao esforço necessário para construir o presente.” (PASSERINI, 2006 p.212) 

A construção de um ensino voltado a História do Tempo Presente visa uma aproximação do conteúdo disciplinar da História e os alunos. Essa aproximação e dada pelas próprias características dessa metodologia: 

“(...) essa História inventou um grande tema, agora compartilhado com todos (...) o estudo da presença incorporada do passado no presente das sociedades e, logo, na configuração social das classes, dos grupos e das comunidades que as constituíram.” (CHARTIER, 2006 p. 216.)
“(...) Lucien Febvre e Marc Bloch. É famosa a palavra de ordem: „compreender o presente por meio do passado e, sobretudo, o passado por meio do presente‟. Para o segundo: "a solidariedade do presente e do passado em a verdadeira justificativa da história.” (BEDARIDA, 2006 p.221)

Essa relação cíclica entre presente e passado, entre vivido e vivência, é essencial dentro do processo de aprendizagem. Quando há a fragmentação e a miniaturização do conhecimento do passado, analisando sondagem por sondagem, o resultado final da própria aprendizagem é mais lúcido, mais visível e por fim, mais interessante e melhor assimilado pelo indivíduo. (9)

Notas:


  1. Mestre em História Social pela Universidade Estadual de Londrina. Ex-Bolsista pela CAPES/CNPq. Ex-Membro do Grupo de Pesquisa em Ensino de História da Universidade Estadual do Norte do Paraná – Campus Jacareinho/PR e da Rede de Estudos sobre Ensino-Aprendizagem de História da UEL.
  2. Hoje, o Google fala na ordem contrário do que considero importante sobre mim: diz que tenho um mestrado em história, que reclamo e muito de empresas, que sou funcionário da COHAPAR, que tento procurar uma origem mais clara do clã Toda, que faço um podcast e tento conciliar a vida de podcaster, blogger, auxiliar da confeiteira mais linda do mundo, marido e pai.
  3. (UNESP/Marília). Professor adjunto da UEL. 3
  4. BEDARIDA, Françoise. Op. Cit. P. 224 
  5. Idem, BEDARIDA, Françoise. Op. Cit. P. 227 
  6. HOBSBAWN, Eric. Op. Cit. P. 105. 
  7. HOBSBAWN, Eric. Op. Cit. P. 105. 
  8. Idem. P. 108-110 
  9. NORA, Pierre. Op. Cit. P. 47 e BEDARIDA, Françoise. Op. Cit. P. 221. 
Referências Bibliográficas 
NORA, Pierre. “O acontecimento e o historiador do presente”. In: LE GOFF, Jacques, LADURIE, Le Roy, DUBY, Georges. “A nova História”. Lisboa, Edições 70: 1977. P. 45-55. 
RÉMOND, René. “Algumas questões de alcance geral a guisa da introdução”. In: FERREIRA, Marieta de Moraes e AMADO, Janaina (Org.). “Usos e Abusos da História Oral” Rio de Janeiro, FGV, 8a ed.2006. 
PASSERINI, Luisa. “A “Lacuna” do Presente”. In: FERREIRA, Marieta de Moraes e AMADO, Janaina (Org.). “Usos e Abusos da História Oral” Rio de Janeiro, FGV, 8a ed.2006. 
CHARTIER, Roger. “A visão do historiador modernista”. In: FERREIRA, Marieta de Moraes e AMADO, Janaina (Org.). “Usos e Abusos da História Oral” Rio de Janeiro, FGV, 8a ed.2006. 
BEDARIDA, François. “Tempo presente e presença da história”. In: FERREIRA, Marieta de Moraes e AMADO, Janaina (Org.). “Usos e Abusos da História Oral” Rio de Janeiro, FGV, 8a ed.2006. 
HOBSBAWM, Eric J. “O presente como história: escrever a história de seu próprio tempo”. Tradução de Heloísa Buarque de Almeida. In: “Revista novos estudos”. São Paulo; CEBRAP, Novembro/95 nº 43. P.103-112 
____________. “A Era dos extremos”. Tradução de Marcos Santarrita. São Paulo; Companhia das Letras, 1994. P. 223 – 253.