Por Bruno Yashinishi


O avestruz, maior espécie de ave existente, não enterra a cabeça como frequentemente vemos em desenhos animados. Isso não passa de um mito. Quando acuado, o bípede dispara em uma corrida que chega a atingir 70 km por hora.
Entretanto, a figura mítica do avestruz com a cabeça enterrada deixando todo o resto do corpo pra fora (principalmente o rabo) ilustra perfeitamente cenas cotidianas de pessoas utilizando abusivamente seus aparelhos celulares. É a “geração avestruz”.
Deixando de lado todo o discurso demagógico, válido, mas demagógico, de que o celular é indispensável nos dias de hoje, que é uma ferramenta útil de comodidade e comunicação, etc. etc. é inegável o fato de que para muitas pessoas o aparelho tornou-se uma dependência emocional, quase uma necessidade biológica. Isso vai além de considerar o celular como objeto de desejo e consumo, mas objeto de “refúgio” onde seus usuários frenéticos enterram suas cabeças, como o avestruz, deixando o resto do corpo (principalmente o rabo) para fora.
Já existe comprovação científica atestando que o uso abusivo do aparelho celular pode gerar transtornos psicossociais. A Sociedade Canadense de Pediatria, por exemplo, recomenda que crianças devam ter acesso restrito ao uso do celular. O crescimento e desenvolvimento cerebral da criança ocorrem em um ritmo rápido e os estímulos da excessiva exposição aos aparelhos tecnológicos causam déficit de atenção, atrasos cognitivos e de aprendizagem, além de limitar o desenvolvimento do autocontrole.
Relacionado a isso está o fato da obesidade infantil, acarretada pela privação de atividades físicas por conta da virtualidade do cotidiano. Insônia e baixo rendimento escolar também são constantes nesses mesmos casos. Além disso, a Organização Mundial de Saúde classificou os telefones celulares como carcinogênicos com o risco de categoria 2B, ou seja, estimulante cancerígeno no organismo.
A “geração avestruz” não é composta apenas de crianças, mas de adolescentes, jovens e adultos. Quando o indivíduo enterra sua atenção ao aparelho celular em ambientes de socialização deixa de socializar-se literalmente. Pessoas, barulhos, acontecimentos ao redor tornam-se imperceptíveis e o mundo torna-se um minimundo para aquela pessoa. Enterrando sua cabeça no celular a pessoa deixa o resto do seu ser exposto a perigos do cotidiano. Um exemplo claro é o número de roubos dos próprios celulares no Brasil. A seguradora BemMaisSeguro.com apontou que somente a cidade de São Paulo em 2014 registrou um aumento de 149,6% nos números de roubos a telefones celulares. Ou seja, o usuário está tão enfiado no seu aparelho que se torna apático ao que ocorre a sua volta. Isso causa distúrbios graves no próprio contexto social em que se insere. Como o avestruz, esconde a cabeça mas deixa o corpo exposto ao perigo (principalmente o rabo).
A “celularzação” da sociedade pode ser um neologismo baixo e pífio, mas seu significado é ainda mais escroto e bizarro quando visto em prática no cotidiano. A tecnologia foi feita para o homem e não o homem para a tecnologia. O homem foi feito para o homem e não para o celular.