"Merleau-Ponty dizia que a arte é advento – um vir a ser do que nunca antes existiu -, como promessa infinita de acontecimentos – as obras dos artistas. No ensaio A linguagem indireta e as vozes do silêncio, ele escreve: O primeiro desenho nas paredes das cavernas fundava uma tradição porque recolhia uma outra: a da percepção. A quase eternidade da arte confunde-se com a quase eternidade da existência humana encarnada e por isso temos, no exercício de nosso corpo e de nossos sentidos, com que compreender nossa gesticulação cultural, que nos insere no tempo. (...) A obra de arte dá a ver, a ouvir, a sentir, a pensar, a dizer. Nela e por ela, a realidade se revela como se jamais a tivéssemos visto, ouvido, sentido, pensado ou dito." (Marilena Chaui. Convite à Filosofia. Ed. Ática, São Paulo, 2000.)
Nossa existência há tempos vem sendo banalizada. Vivemos o banal. Somos banais. A sociedade coemporânea e sua arte alienante nos banaliza dia após dia de sobrevivência. Fica claro a necessidade de novas possibilidades de expressão, vivência e compreensão do Belo artístico. Este problema é abordado por Hakim Bey. A desconstrução do convencional, a fuga das normatizações, uma arte descompromissada com a existência mas de elevado bem para-o-outro, a fuga dos aspectos estético imperialistas e a busca do prazer criativo são propostas de enorme valor e importância no debate filosófico sobre a vida moderna.
Hakim Bey nos coloca diante do Terrorismo Poético e sua ocorrência como crime, uma afronta ao Estado, a Igreja e a Burguesia, ou seja, toda a sociedade contemporânea. O terror poético prova que por trás do que nos fazem acreditar ser mau, errado e proibido ocorre o impulso selvagem intrinsecamente cravado em nossas emoções com finalidade de satisfação do prazer animal de cada Homem sedento de transformações em seu ambiente natural ou não.
A tentativa de compreensão dessa estética-anarquista-ontológia encerra-se na proposta que a verdadeira criação estética não alcança os fins do artista estando ela em concordância as leis, pois a capacidade de transmissão dos mais autênticos impulsos humanos só efetivam-se na desapegada e satisfeita universalidade dos sentidos por parte do receptor. Desse modo compreendemos que a Arte para Hakim Bey também pode ocorrer em atos de violência, desfragmentados na teoria-prática totalmente incompatível com os vários sistemas ideológicos presentes em nossa sociedade.
1. "ARTE COMO CRIME":
A defesa do Caos, juntamente a negação de toda forma de manipulação, princípios de ordem, leis e entropia, levaram o anarquista Hakim Bey postular uma arte focada na desconstrução do conceito normalista de perfeição e beleza convencional.
Através da apologia aos atos de ilegalidade do Individúo marginalizado pela sociedade moderna, Hakim Bey nos apresenta o Terrorismo Poético, que consiste na criação e prática da arte alicerçada no desejo livre de expressão dos mais bizarros e selvagens sentimentos do Homem. Uma estética embasada no desafio de fugir a regra, determinada à aniquilar todos padrões e simbolismo estrutural mercantilizador dos impulsos criativos de formas perceptíveis expressas na sentimentalidade do Individuo.
Apresentações pirotécnicas não autorizadas, sequestrar alguém e fazê-lo feliz, ficar nu para protestar contra algo que o aflige. São exemplares sugestivos de Terrorismo Poético tudo o que leva o público ao choque e torpor emotivo pouco menos profundo que a repugnância, tesão sexual, temor supersticioso, súbitas revelações intuitivas, mediunicidade e angústia dadaísta.
O êxito funcional do Terrorismo poético edifica-se na mudança da vida de alguém (além da vida do artista), e só alcança seu clímax ao afastar-se da tradicionalidade consumista de arte-entretenimento. Fugindo da importância autoral e foco objetivo, se é assinado ou anônimo, o Terrorismo Poético independe da direção de uma ou varias pessoas. Um desconstruir momentâneo para formular algo prolixo que extraordinariamente motive a busca de modos mais interessantes de ser e existir, o que importa é destruição para evolução.
A sedução constante, o prazer superior e a liberdade eterna são as chaves para a mutualidade artística em Hakim Bey. Deliberadamente belo, o trapaceiro Terrorista Poético é totalmente confiante em si, seu objetivo não é o capital, muito menos a matéria, mas sim a transformação radical do meio em que atua.
O não fazer arte para outros artistas, mas para os que não perceberão de imediato que aquilo que se fez foi arte, o prosseguimento da linha brutal, arriscar-se e vandalizar o que merece ser modificado. A prática terrorista poética deve ficar consciente e encenar-se a cada dia na lembrança do Indivíduo atingido pela mesma.
O artista anônimo e revolucionário. O mito que acorda para a sanguinária e eterna batalha. Um lapso de ilegalidade frente ao meio social pacifista domesticante. A fuga para terreno de infinitas possibilidade. A arte como crime; o crime como arte. Esse é o mote conceitual do Terrorismo Poético de Hakim Bey.
2. ARTE SABOTAGEM:
A Arte Sabotagem é um devir superior ao Terrorismo Poético, o lado negro que aspira ser perfeitamente exemplar. Criar através do destruir, sem prostar-se a partido ou niilismo, ou mesmo a própria arte. Direta e com uma sutilidade transversalmente ativa e metafórica, a Arte sabotagem destrói a ilusão e conscientiza ao demolir toda estética programática adocicada no ar mundano do discurso vazio. O próprio Hakim Bey adverte que a Arte Sabotagem serve apenas à percepção, atenção e consciência.
Ao superar a paranóia, esse modo de expressão artística visa danificar às instituições que utilizam o artista e sua obra apenas para diminuir o consciente social, e lucrar com o fetichismo. Formulando uma crítica, atacando fisicamente à arte ofensiva, o sabotador Terrorista Poético não procura o poder, mas apenas renuncia a dominação na esperança de modificar o imposto, e viver sem as regras do mandatário legalista. Não fazer piquetes, apenas vandalizar. Não protestar, mas desfigurar no anonimato. Esmagar símbolos imperialistas, transformar-se num luddita em nome da busca do essencial pela graça. A Arte Sabotagem é o mau necessário, transvalorando-se em danos aos que oprimem o artista na retração da animalidade em suas obras.
Palavras de Hakim Bey no Panfleto do Anarquismo Ontológico, ''jogar dinheiro para o alto no meio da bolsa de valores seria um Terrorismo Poético bastante razoável, mas destruir o dinheiro seria uma excelente Arte Sabotagem. Interferir numa transmissão de TV e colocar no ar alguns minutos de arte incendiária caótica seria uma grande feito de Terrorismo Poético, mas simplesmente explodir a torre de transmissão seria uma ato de Arte Sabotagem perfeitamente adequado.''
3. ESTÉTICA ERÓTICA:
Na Pérsia criavam poesia para ser musicada e cantada, pelo simples fato de atingir o objetivo do artista: elevar o espírito do público ao extra-consciente emocional-estético de prazer. A mescla de imagem e melodia causava explosões de choro e impulsos de dança, uma mensurável resposta física à arte. A prisão de poetas orientais, foi vista por muitos tempos como um elogio, sugeria que o autor fez algo tão brutal quanto um roubo, um estupro, ou qualquer ato subversivo. Há séculos, no Oriente os poetas podiam publicar o que lhe fosse desejoso. Lá o ato de publicar era visto em si mesmo como uma espécie de punição, uma jaula, sem retorno ou existência palpável. A poesia materializada em publicações para as massas foi o reino sombrio do mundo impresso em pensamentos abstratos, um mundo longe dos riscos ou eros.
Se o Estado se recusa considerar poemas como crimes, então precisamos de pessoas que cometam crimes que funcionem como poesia, ou escritos que tenham a ressonância do terror. Trazer a poesia para a estrutura corporal, arte pornográfica gratuita é o que propõe Hakim Bey. Não criminalizar o corpo em si, mas recusar o falso moralismo e seguir na contramão das idéias dentro das coisas letais e asfixiantes, não apenas uma libertinagem estúpida, mas crimes exemplares, nudez solicitada no sentimento estético não é pornografia vazia, mas sim, um crime por amor. A estética erótica produz mudanças na vida daquele que absorve o hedonismo prático, pelo simples ato de revelar seus sentimentos mais reclusos.
A cultura em nossa sociedade, gera uma arte pornográfica motivada pelo ódio ao corpo, porém, como algumas obras orientais, a estética erótica em si própria torna-se um dos vários meios de se aprimorar e elevar o Ser, sua consciência, glória e existência autêntica.
Não há impossibilidade de se alcançar o prazer no banalizado pensamento discursivo, tanto que a formulação extra-sensorial da pornografia tântrica no ocidente possibilitaria um ajuste clandestinos libertador aos desejos selvagens dos galvanizados cadáveres humanos e seus grilhões, e isso poderia fazê-los retomar seu brilho com uma pitada de glamour fora-da-lei.
4. LIBERDADE FORA-DA-LEI:
Entende-se até o momento que não se obtém justiça por meio de lei alguma, toda ação em concordância com a natureza espontânea, a ação justa não se pode definir por dogmas. Os crimes defendido nas obras de Hakim Bey não objetivam atingir a si mesmo ou o outro, mas apenas o mordaz cristalizar das idéias em estruturas divinizadas e dominações venenosas. Ou seja, não crimes contra a natureza humana, mas contra a ordem legal. Cedo ou tarde, o descoberto e revelado ser-natureza se transformará num bandoleiro, pois quando visitar outros mundos e, ao voltar para sua terra, terá a percepção de um traidor, o herege-exilado.
O valor primordial da arte é a criação estética, ou seja, sua capacidade de transmissão dos mais autênticos impulsos da natureza humana, universalizando os sentidos, gerando a eterna fascinação.
Assim que o Individuo age em acordo a sua natureza, as normas e convenções o sufoca, portanto, como disse Hakim Bey em seu Panfleto do Anarquismo Ontológico, 'não dê uma de mártir abençoado e liberal da classe média, aceite o fato de que você é um criminoso e esteja preparado para agir como tal.(...) Arte como crime; crime como arte.'
CONCLUSÃO:
Todo Indivíduo humano guarda nas profundezas de sua razão as mais relevantes vontades de transformação. Não há apenas um Homem que já não tenha desejado matar, matou, ou irá matar no decorrer de sua vida. Mas não matar a si mesmo ou ao outro Indivíduo. O que Hakim Bey prega não é o mau contra a natureza humana, mas sim, a mudança radical, empirista e destrutiva que tenha foco na transvaloração dos impulsos artísticos.
Selvagerias numa arte chocante que leve os espectadores ao clímax existencial, o prazer em causar pânico ao fazer um desconhecido feliz, atos que a sociedade contemporânea veja como crime, mas que apenas tenha a intenção de fazer o bem, e elevar o grau de liberdade do Homem.
Entende-se que Hakim Bey defende a volta do Homem Natural para os nossos dias, um Homem Natural desligado do formalismo legal. Selvagem munidos de compaixão, amor em si, nanotecnologia, internet wi-fi, spray de tinta, argila, bomba atômica e tijolos de vidro. Selvagens que extinguirão o Estado de direito através de sua poesia do terror. Sabotadores que exterminarão obras e artistas a serviço desse Estado que oprime.
E essa nova classe de artistas não quer ficar rico na prisão de seus instintos, mas apenas viver no anonimato e dar um novo ponto de valor na vida de um outro alguém.
Independente do juízo de valor, defende-se também a estética erótica pura, a arte do corpo nu, o prazer hedonista. Eros forte e eterno na vida de cada Individúo que retorna a sua natureza.
O ideal de Hakim Bey vem sendo utilizado por hakers de todo o mundo. 'Anonymous' derrubam sites do governo, modificam rotas de aviões, disparam armas de fogo a distância, sacam milhares de dólares de contas bancárias de políticos corruptos, interferem no sinal de rádio e tv. Por mais mimético que seja a ação vandalizadora, esses Homens buscam alicerçar uma nova era, por meio da aniquilação dos pontos de referência que tanto fazem o Indivíduo humano sofrer.
Essa arte embasada no radical-anarquismo ontológico só tende evoluir e expandir-se aos quatro cantos da Terra. Com o decorrer do tempo o Homem entenderá o por que veio ao mundo, no prosseguir de sua vida Ele também compreenderá que o que difere o Humano dos outros animais são seu trabalho, sua capacidade laboriosa de modificar seu habitat e desenvolver melhores modos de seu Existir.
E a partir da razão liberta, o Homem se revoltará e modificará tudo que for incomodo para si. E modificará por meio do Terrorismo Poético, da Arte Sabotagem e todos os outros meios criminalizados pela sociedade contemporânea.

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